segunda-feira, 15 de junho de 2009

Cinthia



Todo dia de manhã é a mesma rotina. Acorda e sai correndo para o banheiro, apertada pra fazer xixi. Imediatamente corre para debaixo do chuveiro e escova os dentes ali mesmo. Acabado o banho, procura o que irá usar no dia, isso já leva muitos minutos e se aborrece por ter perdido tanto tempo em uma simples muda de roupa. Por conta do atraso não toma seu café da manhã sossegada. É assim que Cinthia faz todos os dias antes de começar sua vida corriqueira. Trabalha numa instituição não governamental, cursa serviço social, desde criança sempre gostou de ajudar os meninos de rua. Muitas vezes guardou o lanche do recreio para após a aula dividir com os garotos que ficavam na porta de sua escola. Eles sempre diziam a mesma frase: obrigada tia, é pra completar minha merenda! Esse era o único momento que ela se irritava, pois não era tia de ninguém e gritava: tia é a mãe! E todos riam. E seguia faminta, quando apontava na esquina de sua casa era só se aproximar da porta que já sentia o cheirinho de bife assado. Em seus pensamentos, logo vinha aquele feijãozinho acompanhado. Sim! Feijão não podia faltar em sua refeição. A mãe logo de primeira falava: filha vai tomar banho! Banho? Como pode alguém chegar naquela situação e esconder de sua barriga faminta todo aquele banquete. E a briga começava. A mãe dizendo que fazia mal comer antes do banho, pois a menina podia morrer estuporada, devido à quentura no estômago. A filha, com os olhos penetrantes no feijão que borbulhava, retrucava que, mal fazia, era não devorar o almoço. No final das contas, Cinthia acabava comendo antes do banho. Hoje, depois de adulta, já não mora mais com a família, pois essa ficou em sua cidade natal, então por isso aprendeu a controlar a ansiedade. Toda vez que chega do trabalho, coloca a massa de macarrão instantâneo para cozinhar e tempera com alho e azeite. É até uma terapia e já está aprendendo a cozinhar alimentos mais nutritivos. Ainda não fica gostoso igual o feijão da mãe, mas dá pra comer. Outro banho e, imediatamente, caminha para a faculdade. Tudo isso é sem sofrimento. No final da tarde, as aulas acabam e vai para casa. Sobe correndo às escadarias que ficam próximas a rua onde mora. Já anoitecendo, o lugar fica obscuro e perigoso. Nesse vai e vem, Cinthia levava sua vida com as oscilações cotidiana, porém tranqüila e calma. Até chegar um dia que precisou mudar a rotina e o horário para faculdade. Ela quis pegar aula extra numa disciplina que há tempos já queria fazer. Por um lugar aparentemente tranqüilo ao som dos passarinhos e dos carros que passavam na pista a poucos metros, ela cantarolava imitando os bem-te-vis quando por um instante percebeu que ouvia sapateados e ruídos pelos os matos. Não ligou, afinal estava dentro do Campus da universidade. Que peninha! Seus pensamentos estavam errados. Num piscar de olhos, Cinthia se viu tentando empurrar alguém que a segurava com muita força pela a cintura até joga - lá no chão e cansar suas forças que iam sendo vencidas. E já não mais sabia definir quantas mãos a pegavam e rasgavam suas roupas, apertavam seus seios e gritavam: duas manguinhas rosa, grita lindinha! Batiam em sua cara, mordiam suas pernas, cuspiam em seu sexo e aquele pingue-pongue de muita angustia e gemidos. Os pensamentos já não racionalizavam para pedir socorro.
Logo após a exaustão de todos, Cinthia estava novamente sozinha com os sons dos passarinhos e dos carros na pista, dessa vez jogada no chão e cantarolando com seu choro agonizante.

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